quarta-feira, 16 de outubro de 2013
A bizarra rotação de Mercúrio
(Mensageiro Sideral - Folha) O planeta Mercúrio, o menor e mais próximo do Sol, tem um bizarro padrão de movimento. Ele completa três voltas em torno de si mesmo exatamente no mesmo tempo que leva para contornar o Sol duas vezes. E ninguém sabe ao certo por que isso acontece. Ou melhor, ninguém sabia. Um novo trabalho dá fim ao mistério que já durava meio século e pode ter importantes implicações na busca por vida fora do Sistema Solar. Quer saber como? Siga em frente, intrépido leitor!
Bem, como diria o velho Jack, vamos por partes. Primeiro, falemos só de Mercúrio, que ele merece. Um pequeno mundo com uns 4.800 km de diâmetro, sem atmosfera apreciável, ele está tão próximo do Sol que encontra temperaturas na casa dos 430 graus Celsius no lado iluminado e dos -170 graus na escuridão da noite. Olhando de perto, como tem feito nos últimos anos a sonda americana Messenger, Mercúrio não se parece muito diferente da nossa Lua.
Até meados do século 20, os cientistas imaginavam que o planeta, por sua proximidade do Sol, estivesse gravitacionalmente travado. O que isso quer dizer? Que o tempo de translação (o ano mercuriano) equivalia ao tempo de rotação (o dia), fazendo com que o planeta mantivesse sempre a mesma face voltada para a estrela.
É o que acontece, por exemplo, com a Lua, que orbita ao redor da Terra com a mesma face voltada o tempo todo para nós.
Contudo, uma das revelações trazidas pela era espacial foi a de que Mercúrio não obedece a esse travamento “básico”. Em vez disso, ele estabilizou sua rotação no que os cientistas chamam de ressonância dinâmica 3:2. Traduzindo do cientifiquês, quer dizer que, a cada três dias mercurianos, passam-se dois anos mercurianos.
Desde essa descoberta, os astrônomos têm se esforçado para compreender como surgiu esse padrão bizarro de sincronismo de movimento. Eles imaginam que Mercúrio tenha nascido, cerca de 4,7 bilhões de anos atrás, com um ritmo de rotação muito mais agressivo. Desde então, ele teria paulatinamente reduzido seu giro, pela interação gravitacional com o Sol, até chegar aos valores atuais (um dia em Mercúrio dura 58 dias terrestres, e um ano, 88 dias).
O mistério: por que o processo não prosseguiu até que se chegasse a uma trava gravitacional de ressonância 1:1, como a vista na Lua?
Aí é que entra em cena o estudo de Benoit Noyelles, da Universidade de Namur, na Bélgica. Num trabalho apresentado na semana passada durante a reunião anual da Sociedade Astronômica Americana (AAS), ele e seus colegas mostraram que alguns fatores parecem favorecer uma trava em 3:2.
Ao que parece, duas coisas são importantes para isso. Uma órbita mais oval (diz-se excêntrica), que leva o planeta ora mais próximo, ora mais distante do Sol, e a composição do próprio planeta, que fica mais ou menos sujeito ao efeito de maré produzido pela gravidade da estrela.
Combinando o efeito da gravidade sobre a superfície e o manto pastoso do planeta, verifica-se que a ressonância 3:2, até então tida como estranha, na verdade é o desfecho mais provável para esse sistema. Tchã-rãn!
VALE PARA UM, VALE PARA OUTROS
Muito bem. Mas o que isso tem a ver com vida em planetas fora do Sistema Solar?
Acontece que a maior possibilidade de encontrarmos sinais de atividade biológica na atmosfera desses mundos distantes envolve o estudo de astros ao redor de estrelas anãs vermelhas — objetos menores que o Sol, menos brilhantes e com tempo de vida bem mais longo. Esses planetas poderão ter sua composição atmosférica estudada pelo Telescópio Espacial James Webb, sucessor do Hubble que está sendo preparado para lançamento em 2018. Espera-se que os gases presentes possam servir como pistas de formas de vida nesses mundos — da mesma forma que o oxigênio, aqui na Terra, só pode ser explicado por organismos que fazem fotossíntese.
A chamada zona habitável — região que permite a existência de água líquida na superfície de um planeta — em torno dessas estrelas anãs fica muito perto da própria estrela. Essa proximidade facilita o estudo da atmosfera planetária, mas traz consigo um problema: os astrônomos esperavam que mundos similares à Terra na zona habitável de estrelas anãs vermelhas estivessem gravitacionalmente travados numa ressonância 1:1. Com um lado perpetuamente iluminado e outro para sempre no escuro, teríamos um mundo metade quente demais, metade frio demais, em vez de um planeta simpatiquinho à vida. (Modelagem da atmosfera desses mundos até sugere a possibilidade de que ela distribuísse o calor mais igualitariamente, mas ainda assim seria uma diferença bem grande entre um hemisfério e outro.)
O novo estudo sugere que muitos desses mundos podem estar em ressonâncias diferentes de 1:1. “Com efeito, dois membros da nossa equipe — Valeri Makarov e Michael Efroimsky –, junto com outro autor — Ciprian Berghea — publicaram um estudo da rotação do planeta Gliese 581d, uma superterra possivelmente habitável em torno de uma anã vermelha”, contou ao Mensageiro Sideral o astrônomo Julien Frouard, um dos autores do estudo de Mercúrio que até meados deste ano estava fazendo pós-doutorado na Unesp, em Rio Claro. “Ao aplicar o mesmo método que usamos para investigar a rotação de Mercúrio, parece que o Gliese 581d poderia estar numa ressonância giro-órbita de 2:1 — dois períodos de rotação no mesmo tempo de um período orbital.”
Uma rotação desse tipo permite que o calor seja distribuído mais igualmente pelo planeta, o que certamente deve ajudar a vida a florescer (estabilidade ambiental é um fator fundamental para a evolução conseguir operar).
O trabalho realça uma perspectiva interessante sobre Mercúrio. Embora ele, por si só, não apareça em nenhuma lista dos “dez mais” de objetos interessantes do Sistema Solar, o fato de estar próximo do Sol — e com isso servir como análogo orbital de muitos planetas extra-solares — nos ajuda a compreender melhor mundos que, quem sabe, podem até ser habitados.
É a segunda notícia interessante que sai sobre planetas em torno de anãs vermelhas nos últimos dias (a outra, sobre a possibilidade de oxigênio na atmosfera desses mundos, você pode ler aqui). Isso mostra que os astrônomos já estão esquentando para quando o James Webb entrar em operação. Será que estamos próximos de finalmente responder à pergunta: estamos sós no Universo?
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