quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Como é que sabemos que a Voyager alcançou o espaço interestelar?


(Astronomia On Line - Portugal) O se e quando a sonda Voyager 1 da NASA, o objecto mais distante feito pelo Homem, rompeu pelo espaço interestelar, o espaço entre as estrelas, tem sido um assunto aceso. Durante o último ano, surgiram alegações a cada poucos meses de que a Voyager 1 tinha "deixado o Sistema Solar." Porque é que a equipa da missão só agora veio a público dizer que a sonda alcançou o espaço interestelar?

"Nós temos sido cautelosos porque estamos a lidar com um dos marcos mais importantes na história da exploração espacial e da Humanidade," afirma Ed Stone, cientista do projecto Voyager no Instituto de Tecnologia em Pasadena, no estado americano da Califórnia. "Só agora é que temos os dados - e a análise - que precisávamos."

Basicamente, a equipa precisava de mais dados sobre o plasma, gás ionizado, a mais densa e lenta das partículas carregadas no espaço (o brilho de neón numa montra é um exemplo de plasma). O plasma é o indicador mais importante que distingue se a Voyager 1 está dentro da bolha solar, conhecida como heliosfera, que é preenchida por plasma que flui na direcção oposta à do Sol, ou se está no espaço interestelar e rodeada por material expelido pela explosão de estrelas gigantes vizinhas há milhões de anos atrás. Somando ao desafio: não sabiam como seriam capazes de o detectar.

"Nós procurámos os sinais previstos pelos modelos que usam os melhores dados disponíveis, mas até agora não tínhamos medições do plasma pela Voyager 1," afirma Stone.

Os debates científicos podem levar anos, até mesmo décadas, a resolver, especialmente quando são necessários mais dados. Os cientistas levaram décadas, por exemplo, a compreender a ideia das placas tectónicas, a teoria que explica a forma dos continentes da Terra e a estrutura do fundo do mar. Introduzida pela primeira vez na década de 1910, a deriva continental e ideias relacionadas permaneceram controversas durante anos. A teoria madura das placas tectónicas só emergiu durante as décadas de 1950 e 1960. Só depois dos cientistas recolherem dados que mostravam que o fundo do mar lentamente se espalhava para fora das dorsais oceânicas é que finalmente começaram a aceitar a teoria. A maioria dos geofísicos mais activos só aceitaram as placas tectónicas no final da década de 1960, embora alguns nunca o tenham feito.

A Voyager 1 está a explorar um lugar ainda mais estranho que o fundo do mar da Terra - um local a mais de 17 mil milhões de quilómetros do Sol. Tem enviado tantos dados inesperados que a equipa científica tem lutado com a questão de como explicar toda a informação. Nenhum dos poucos modelos que a equipa da Voyager usa como esquema explica em detalhe as observações sobre a transição entre a nossa heliosfera e o meio interestelar. A equipa sabia que podia levar meses, ou até mais, para compreender na totalidade os dados e tirar as suas conclusões.

"Nunca tínhamos alcançado o espaço interestelar até agora, é como viajar com guias turísticos que estão incompletos," afirma Stone. "Ainda assim, a incerteza é parte da exploração. Nós não partiríamos à descoberta se soubéssemos exactamente o que iríamos encontrar."

As duas sondas Voyager foram lançadas em 1977 e, entre elas, visitaram Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno até 1989. O instrumento de plasma da Voyager 1, que mede a densidade, temperatura e velocidade do plasma, parou de funcionar em 1980, logo após o seu último "flyby" planetário. Quando a Voyager 1 detectou a pressão do espaço interestelar sobre a nossa heliosfera em 2004, a equipa científica não dispunha do instrumento que podia fornecer as medições mais directas do plasma. Em vez disso, concentraram-se no sentido do campo magnético como substituto para a fonte do plasma. Dado que o plasma solar viaja sobre as linhas do campo magnético que emana do Sol e o plasma interestelar viaja através das linhas do campo magnético interestelar, esperava-se que as direcções dos campos magnéticos solares e interestelares fossem diferentes.

A maioria dos modelos indicou à equipa científica da Voyager que esperasse uma mudança brusca na direcção do campo magnético à medida que a Voyager passava das linhas do campo magnético solar, dentro da nossa bolha, para as linhas do campo magnético do espaço interestelar. Os modelos também disseram para esperar que os níveis de partículas carregadas provenientes de dentro da heliosfera caíssem e que os níveis de raios cósmicos galácticos, originários de fora da heliosfera, aumentassem.

Em Maio de 2012, o número de raios cósmicos galácticos fez o seu primeiro salto significativo, enquanto algumas das partículas no interior fizeram a sua primeira queda significativa. O ritmo de mudança acelerou rapidamente a 28 de Julho de 2012. Após cinco dias, as intensidades voltaram ao normal. Este foi o primeiro "cheiro" de uma nova região, e nessa altura os cientistas da Voyager pensaram que a sonda poderia ter tocado brevemente a orla do espaço interestelar.

A 25 de Agosto, quando, como sabemos agora, a Voyager 1 entrou definitivamente nesta região, todas as partículas de baixa-energia do interior desapareceram. Algumas partículas diminuíram mais de 1000 vezes em comparação com os valores de 2004. Os níveis de raios cósmicos galácticos saltaram para o valor mais elevado de toda a missão. Estas seriam as mudanças esperadas caso a Voyager 1 tivesse cruzado a heliopausa, que é a fronteira entre a heliosfera e o espaço interestelar. No entanto, a análise subsequente dos dados do campo magnético revelaram que embora a intensidade do campo magnético tivesse saltado 60% neste limite, a direcção tinha mudado menos de 2 graus. Isto sugeria que a Voyager 1 não tinha deixado o campo magnético do Sol e tinha apenas entrado numa nova região, ainda dentro da bolha solar, que não continha partículas interiores.

Então, em Abril de 2013, os cientistas receberam outra peça do puzzle por acaso. Durante os primeiros oito anos de exploração desta camada exterior heliosférica, o instrumento de ondas de plasma da Voyager não detectou nada. Mas a equipa científica deste instrumento, liderada por Don Gurnett e Bill Kurth da Universidade de Iowa, em Iowa City, EUA, tinha observado surtos de ondas de rádio em 1983 e 1984 e novamente em 1992 e 1993. Eles deduziram que essas explosões foram produzidas pelo plasma interestelar quando uma grande libertação de material solar colidiu com esse mesmo plasma interestelar e o fez oscilar. Estes surtos solares demoraram 400 dias a chegar ao espaço interestelar, levando a uma distância estimada de 117-177 UA (117 a 177 vezes a distância da Terra ao Sol) até à heliopausa. Eles sabiam, porém, que seriam capazes de observar as oscilações de plasma directamente assim que a Voyager 1 estivesse cercada por plasma interestelar.

A 9 de Abril de 2013, aconteceu: o instrumento de ondas de plasma da Voyager 1 detectou oscilações locais de plasma. Os cientistas pensam que provavelmente foi o resultado de uma libertação de actividade solar um ano antes, uma explosão que ficou conhecida como as Tempestades Solares do Dia de São Patrício. As oscilações aumentaram de tom até 22 de Maio e indicaram que a Voyager movia-se para uma região cada vez mais densa de plasma. O plasma tinha as assinaturas do plasma interestelar, com uma densidade mais de 40 vezes superior à observada pela Voyager 2 no revestimento heliosférico.

Gurnett e Kurth começaram a vasculhar os dados recentes e descobriram um conjunto de oscilações mais fracas e de baixa frequência entre 23 de Outubro de 27 de Novembro de 2012. Quando extrapolaram para trás, deduziram que a Voyager tinha encontrado este denso plasma interestelar pela primeira vez em Agosto de 2012, consistente com as fronteiras nítidas nos dados das partículas carregadas e do campo magnético de dia 25 de Agosto.

Stone reuniu-se três vezes com a equipa da Voyager. Tinham que decidir como definir a fronteira entre a nossa bolha solar e o espaço interestelar e como interpretar todos os dados que a Voyager 1 tinha enviado de volta. Houve um consenso geral de que a Voyager 1 estava detectando plasma interestelar, com base nos resultados de Gurnett e Kurth, mas o Sol ainda tinha influência. Um sinal persistente de influência solar, por exemplo, foi a detecção de partículas exteriores que atingiam a Voyager a partir de certas direcções, mais do que noutras. No espaço interestelar, esperava-se que as partículas atingissem a Voyager uniformemente em todas as direcções.

"Agora que tínhamos medições reais do ambiente de plasma - por meio de uma inesperada tempestade solar - tivémos de reconsiderar o porquê de ainda haver influência solar no campo magnético e plasma do espaço interestelar," afirma Stone.

"O caminho para o espaço interestelar tem sido muito mais complicado do que imaginávamos."

Stone discutiu com a equipa científica se achavam que a Voyager 1 já tinha cruzado a heliopausa. Que nome deveriam dar à região onde se encontra a Voyager 1?

"No final, havia um consenso geral de que a Voyager 1 estava de facto de fora, no espaço interestelar," acrescenta Stone. "Mas esse local vem com alguns alertas - estamos numa região mista, de transição, do espaço interestelar. Nós não sabemos quando vamos chegar ao espaço interestelar livre da influência da nossa bolha solar."

Então, a equipa da Voyager 1 afirma que deixou o Sistema Solar? Não exactamente - e isso é parte da confusão. Desde a década de 1960, a maioria dos cientistas define o nosso Sistema Solar até à Nuvem de Oort, o local de origem dos cometas que passam pelo Sol ao longo de enormes escalas de tempo. Esta área é onde a gravidade das outras estrelas começa a vencer a gravidade do Sol. A Voyager 1 demorará cerca de 300 anos até alcançar a orla interna da Nuvem de Oort e possivelmente outros 30.000 até a cruzar completamente. Informalmente, claro, "sistema solar" significa normalmente o "bairro" planetário em torno do nosso Sol. Por causa desta ambiguidade, a equipa da Voyager tem ultimamente favorecido falar sobre o espaço interestelar, que é especificamente o espaço entre a esfera de influência do plasma de cada estrela.

"O que podemos dizer é que a Voyager 1 está a ser banhada por matéria de outras estrelas," afirma Stone. "O que não podemos dizer é exactamente que descobertas aguardam a viagem da Voyager. Ninguém foi capaz de prever todos os detalhes que a Voyager 1 já viu. Por isso esperamos mais surpresas."

A Voyager 1, que trabalha com uma fonte de energia finita, tem energia suficiente para continuar a operar os instrumentos científicos dos campos magnéticos e partículas até pelo menos 2020, quando atingir os 43 anos de operação contínua. Nessa altura, os gestores da missão terão que começar a desligar os instrumentos um a um de modo a conservar energia, com o último a desligar por volta de 2025.

A Voyager 1 vai continuar a enviar dados de engenharia durante mais alguns anos após o último instrumento científico ser desligado, mas depois disso ficará navegando como um embaixador silencioso. Daqui a cerca de 40.000 anos, estará mais perto da estrela AC +79 3888 do que do nosso Sol (AC +79 3888 viaja mais depressa na nossa direcção do que nós viajamos na dela, por isso embora Alpha Centauro seja de momento a estrela mais próxima do Sol, não o será daqui a 40.000 anos). E para todo o sempre, a Voyager 1 continuará a orbitar o coração da nossa Via Láctea, o Sol sendo apenas um pequeno ponto de luz entre muitos outros.
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E mais:
Voyager captura sons do espaço interestelar; ouça (UOL - com vídeo), com matéria similar na Folha

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