terça-feira, 11 de setembro de 2012
Para técnicos da Nasa, cotidiano inclui cortar grama e dirigir jipe-robô em Marte
(The New York Times / Folha) Matt Heverly, 36 anos, começou um dia de trabalho recente como fariam muitos outros pais jovens: levantou às 5h30, tomou um café às pressas, preparou a mamadeira do bebê. Vestiu um jeans e uma camiseta e levou seus dois filhos à creche. Parou na oficina para uma checagem rápida dos freios de seu Toyota e deu uma passada no banco.
Depois foi para o escritório... para conduzir um robô de US$ 2,5 milhões em Marte.
Heverly comanda uma equipe de 16 motoristas no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa em Pasadena (EUA). Juntos, eles são responsáveis por conduzir o jipe-robô Curiosity, movido a plutônio e com seis rodas, pela cratera Gale do planeta vermelho. Equipado com ferramentas futuristas como um laser capaz de vaporizar rochas, o robô de 906 quilos chegou a Marte em 6 de agosto, e Heverly assumiu sua direção --na realidade, um teclado de computador-- no dia 22 deste mês.
Dizer que se "dirige" um jipe-robô pode ser enganoso. Para começo de conversa, não há joystick nem acelerador. Para dizer ao veículo onde ele deve ir, Heverly e seus colegas de equipe dão centenas de comandos ao computador.
E a direção não é feita em tempo real: durante a noite marciana, a equipe planeja onde enviar o Curiosity no dia seguinte e manda instruções via transmissão de rádio quando o dia marciano começa. Então os condutores vão para casa, de volta à vida na Terra, com todos seus detalhes mundanos do tipo "não se esqueça de levar o lixo para fora".
"É preciso fazer força para não pensar no que está acontecendo lá fora. Claro que isso é completamente impossível", falou com exuberância cafeinada outra condutora do robô, Vandi Tompkins, 39 anos. "O jipe pode estar executando um passeio bem-sucedido baseado em suas instruções, ou você pode ter acabado de mandar um patrimônio nacional despencar de um penhasco."
Ou, como disse Heverly: "Ontem à noite conduzi um jipe em Marte, hoje eu pilotei meu cortador de grama --é surreal".
Os condutores do Curiosity formam apenas um grupo pequeno dentro do programa da Nasa para a exploração de Marte, que estuda o clima e geologia marcianos e supervisiona um robô mais antigo e rudimentar, o Opportunity. Vários milhares de pessoas trabalham no programa de Marte, mas foram os cerca de 30 membros da equipe do Curiosity que chamaram a atenção do mundo no mês passado quando a Nasa divulgou imagens em vídeo de suas reações ao pouso do robô.
Usando camisetas polo azuis iguais para a ocasião, os membros da equipe foram vistos ouvindo a confirmação do êxito, feita por um controlador de missão --"estamos com as rodas pousadas em Marte. Meu Deus!"-- e explodindo em vivas e gestos de "toca aqui". Bobak Ferdowsi, diretor de voo que usa o cabelo em corte moicano, com listras vermelhas, brancas e azuis, agora diz, constrangido: "Parecíamos um bando de Smurfs".
Um pouco, talvez. Mas o que deixou a impressão mais forte foi o "esprit de corps" do grupo. Um vídeo de brincadeira, "We're NASA and We Know It", gravado com a música da canção "I'm Sexy and I Know It", já foi visto 2,4 milhões de vezes no YouTube.
Ferdowsi, que ficou conhecido online como Mohawk Guy, tem 53 mil seguidores no Twitter agora, sendo que antes da missão tinha cerca de 200.
Não é de hoje que as pessoas que trabalham no edifício 264, parte do setor de Operações de Voos Espaciais da Nasa, têm um senso de humor em relação a elas próprias. Em um lançamento de foguete, um grupo de cientistas usava orelhas de Spock. "Mas, antes das mídias sociais, ninguém estava vendo", explicou Ferdowsi. "Ainda fico assombrado com a atenção. Não acho que haja nada de muito interessante em mim."
Sob muitos aspectos, o escritório é como outro qualquer: carpetes industriais cinzas, luzes fluorescentes, cubículos apertados e em sua maioria sem decoração, tirando algumas latas vazias de Red Bull. Uma copa pequena tem pacotes de frutas secas para lanches. As pessoas promovem ocasionais almoços coletivos, e há um time de softball dos profissionais; numa partida recente, para brincar com Ferdowsi, todos os jogadores estavam com falsos penteados moicanos.
No elevador, as pessoas dizem coisas como: "Aperte o sete para mim, por favor? Vou para Júpiter." E não estão brincando. O sétimo andar é a sede de Juno, uma missão para o maior planeta do sistema solar (Marte ocupa os pisos seis e quatro).
Há também uma autoconfiança tranquila, sem alarde. "Em festas, sempre somos nós que temos o trabalho mais bacana", comentou John Wright, 56 anos, condutor do Curiosity que tinha vindo trabalhar de boné de beisebol, bermudas e camiseta.
"O que você faz? Banqueiro de investimentos? Que bacana!", ele explicou. "E eu? Dirijo um jipe em Marte."
O trabalho pode ser exaustivo. Por pelo menos os três primeiros meses da exploração do Curiosity, que durará vários anos, os condutores vão estar vivendo e trabalhando no tempo marciano. O dia marciano, conhecido como um "sol", é 39 minutos e 35 segundos mais longo que um dia na Terra. Esse tempo se acumula rapidamente; em duas semanas, a manhã na Terra vira noite em Marte. Para os condutores, seguir esse horário é como deslocar-se dois fusos horários para o oeste a cada três dias, o que os mergulha num estado de "jet lag" constante.
"Estou com tanto atraso de sono que já passei do ponto em que a cafeína pode ajudar", contou Heverly.
Ele se tornou condutor do Curiosity de maneira muito simples. Começou a trabalhar no Laboratório de Propulsão a Jato sete anos atrás, depois de obter um mestrado em robótica da Universidade de Boston. "Um dia, literalmente, mandaram um e-mail dizendo 'alguém quer conduzir um jipe espacial?'." Ele ergueu a mão ("claro!"), e, depois de um ano de treinamento, começou a comandar o Opportunity. Trabalhou com esse robô por quatro anos antes de passar para o Curiosity.
Quem decide quem vai conduzir e quando? Os condutores têm seus horários traçados por supervisores com várias semanas de antecedência, prestando atenção para contar com algumas das pessoas que se especializam em determinadas funções do robô: mobilidade, braço, torre. Até meia dúzia de condutores trabalham em cada turno.
Os dias de trabalho seguem uma estrutura temporal rigorosa. Às 16h do horário marciano (numa quinta-feira recente, isso foi às 13h44 do horário do Pacífico) o Curiosity transmite um relatório de como foi seu percurso. Um grupo de analistas tem 15 minutos para ver se tudo deu certo. É um prazo autoimposto, para iniciar rapidamente o planejamento para o percurso do dia seguinte.
Cientistas --há cerca de 400 trabalhando na missão de Marte-- avaliam os dados, que geralmente incluem fotos feitas pelas câmeras a bordo do jipe. Os condutores chegam e se reúnem com os cientistas para discutir aonde o jipe deve ir em seguida, talvez cinco metros para frente numa depressão no solo que parece interessante. Como eles, basicamente, conduzem o Curiosity às cegas, inicialmente precisam avançar devagar, no máximo dez metros por dia; com o tempo, poderão cobrir cerca de dez vezes essa distância diária.
Depois de formulado o plano, os condutores vasculham com óculos 3D as imagens que têm do terreno marciano, para prever possíveis problemas ("até que ponto temos medo daquela pedra ali?") e usam animação computadorizada para simular uma trajetória. Em seguida, digitam centenas de comandos para executar o trajeto do dia seguinte, que pode exigir que os movimentos sejam calibrados em frações de centímetros. Enviam a mensagem ao jipe, torcendo para que ele a entenda e que ninguém tenha carregado um código incorreto.
Heverly recordou um "cenário de pesadelo" com o Opportunity. Um dia, cientistas decidiram que queriam que o jipe desse marcha a ré. Baseado nos comandos dados por Heverly, o Opportunity entendeu que precisava retornar para um ponto alguns pés para trás.
"Mas, ao invés de simplesmente dar marcha a ré, ele decidiu dar a volta do planeta inteiro para chegar lá", contou Heverly. Por sorte, uma função automatizada de segurança entrou em ação e freou o robô antes de ele poder ir muito longe.
"Foi um dia realmente assustador e que me deixou humilde", contou Heverly. "Algo assim confere todo um novo sentido à pergunta 'o que você fez no trabalho hoje, querido?'."
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Imagem Mostra o Caminho Já Percorrido Pelo Rover Curiosity em Marte (Cienctec)
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