segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Causa da morte: asfixia marciana


(Mensageiro Sideral - Folha) Você está entre os recrutas para uma viagem só de ida para Marte, num plano agressivo de colonização do planeta vermelho marcado para começar em 2025? Não? Sorte sua. Um novo estudo independente realizado nos Estados Unidos concluiu que, na melhor das hipóteses, sua morte aconteceria aproximadamente 68 dias após o pouso, por falta de oxigênio no módulo de habitação. Simples assim.

E esse é só um dos problemas que a análise, feita por um grupo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), encontrou no plano da fundação holandesa Mars One, organização sem fins lucrativos cujo objetivo é iniciar a ocupação humana de Marte na próxima década.

Liderada pelo empresário holandês Bas Lansdorp, a iniciativa fez bastante barulho no ano passado, ao conseguir 200 mil recrutas vindos de todas as partes do mundo para a viagem sem volta. A equipe está aos poucos reduzindo esse número (em maio eram apenas 705) até definir os quatro primeiros viajantes. Em paralelo, a Mars One deseja criar um programa de televisão no formato “reality show” como meio para financiar o caríssimo projeto.

Um dos principais resultados do estudo do MIT, liderado por Olivier de Weck e apresentado no começo de outubro durante o Congresso Internacional de Astronáutica, foi mostrar que o custo será maior do que o a Mars One originalmente projetava. A ideia é usar como base as cápsulas e o foguete de alta capacidade em desenvolvimento pela empresa americana SpaceX. A cápsula Dragon está sendo criada para ser um veículo capaz de conduzir astronautas até a Estação Espacial Internacional, mas em tese ela pode servir, de forma adaptada, como módulo de habitação em Marte. E a SpaceX também está desenvolvendo o lançador Falcon Heavy, que poderia colocar a cápsula numa rota para o planeta vermelho.

Só que para montar toda a infra-estrutura de solo para a primeira tripulação, o grupo do MIT estima que sejam necessários 15 lançamentos do Falcon Heavy, a um custo de US$ 4,5 bilhões. Não vai ser fácil levantar essa grana, mesmo com publicidade de TV e patrocinadores.

O grupo de Weck também destaca que a afirmação da Mars One de que é possível desenvolver o projeto sem nenhuma tecnologia nova é falsa. Seria preciso, no mínimo, desenvolver um sistema capaz de retirar oxigênio em excesso do ar, uma tecnologia que até já existe, mas jamais foi desenvolvida para aplicação no espaço.

QUANDO MAIS É MENOS
Ei, peraí? Tirar oxigênio do ar? Mas o pessoal não ia morrer de asfixia no dia 68, por falta de oxigênio? Pois é. Veja como são paradoxais essas coisas.

Uma das premissas da Mars One é que, para manter a colônia sustentável por longos períodos, os alimentos para os colonizadores deveriam ser todos cultivados em Marte. Para isso, estufas infláveis seriam acopladas às cápsulas Dragon e permitiriam a criação de modestas plantações. O que é muito bom, porque, afinal, plantas produzem oxigênio e o pessoal lá vai precisar respirar, não é?

É e não é. Por um lado, ter uma fonte de oxigênio é essencial, mas a produção dele precisa ser controlada com exatidão. O que o estudo do MIT mostrou é que, para plantar o suficiente para alimentar a tripulação, a quantidade de oxigênio gerada é maior do que a necessária. Com o tempo, a pressão parcial de oxigênio iria aumentar, subindo a 26%. Na Terra (e no modelo ideal da Mars One), essa pressão é mantida em 20%, com 80% do ar composto por nitrogênio.

O sistema faria a compensação automática disso, primeiro ventilando para fora parte da atmosfera (jogando fora igualmente oxigênio e nitrogênio, uma vez que o dispositivo não faria distinção entre um e outro) e depois restituindo a pressão normal com a injeção de nitrogênio puro, a partir de um tanque de armazenamento.

Acontece que, se você fizer isso de novo, de novo e de novo, no dia 68, o seu estoque de nitrogênio acaba. E aí, na próxima ventilada da atmosfera para compensar o aumento de O2, a pressão seria reduzida de tal modo que levaria os astronautas à asfixia, por falta de oxigênio. Não bom.

A discussão é interessante porque leva ao aperfeiçoamento do modelo. Não há nada fundamentalmente incorrigível no plano da Mars One (fora a evidente falta de grana), e para o problema do oxigênio o grupo do MIT sugere o abandono da produção de alimentos em Marte, com a comida toda sendo enviada da Terra. O oxigênio para a respiração, por sua vez, poderia ser produzido de forma mais controlada por meios artificiais, como por dispositivos como o que o jipe da Nasa levará a Marte em 2020 para testar.

A equipe do MIT também afirma que o projeto é agressivo demais, e que o acréscimo de quatro tripulantes a cada dois anos dificulta a manutenção da infra-estrutura. Eles apontam que, só para manter tudo funcionando durante 130 meses, 62% de tudo que for mandado da Terra para Marte terá de ser peças sobressalentes para os equipamentos.

Apesar do debate propositivo, Bas Lansdorp não gostou nada das críticas. Ele aponta que as conclusões do estudo estão erradas e que isso é resultado da falta de tempo para que a equipe da Mars One sanasse as dúvidas dos estudantes do MIT, combinada à falta de experiência deles. “Há muitos problemas entre hoje e o pouso de humanos em Marte, mas a remoção de oxigênio certamente não é um deles”, alfinetou.

A COLONIZAÇÃO DE MARTE
O século 21 promete ser o momento em que tentaremos pela primeira vez nos tornar uma civilização multiplanetária — seja pela colonização da Lua (um foco chinês) ou de Marte (como no plano da Mars One). Então, se vamos conseguir, não sei. Mas a tendência é que, até 2100, tenhamos feito ao menos uma tentativa.

Tendo dito isso, acho o plano da Mars One não-confiável. Apesar de todo o oba-oba em torno da iniciativa, pouco de concreto foi realizado. E o relógio está correndo. O projeto terá o primeiro teste de fogo em 2018, quando promete lançar uma missão de pouso não-tripulada assim como um satélite em torno de Marte. O módulo de pouso será baseado na Phoenix, missão bem-sucedida da Nasa. Mas será que vai sair do papel? Eles tentaram levantar modestos US$ 400 mil para o projeto, via doações públicas, mas a campanha terminou em fevereiro deste ano com uma arrecadação de apenas US$ 313 mil.

Seguindo o plano, que fica mais mirabolante a cada novo marco, em 2020 seria lançado um jipe robótico para Marte, e em 2022 partiriam as primeiras missões de carga, com as partes do complexo de habitação. Em 2023, o sistema, montado de forma automatizada, estaria pronto, e em 2024 partiria a primeira tripulação, para chegar lá em 2025. A cada dois anos partiria mais uma leva de colonos, expandindo a infra-estrutura em Marte.

Lembrando que a Nasa, que conta com recursos bem mais generosos do governo americano (embora aquém de suas próprias ambições), pretende levar uma tripulação a Marte somente no final da década de 2030. Será que a Mars One pode triunfar sobre os programas governamentais? Eu não acredito.

Ainda assim, acho que a iniciativa faz um grande favor à humanidade em lembrá-la de que não é preciso se apegar às velhas ideias. O ser humano pode se tornar uma criatura multiplanetária, se assim o desejar. E essa realidade está mais próxima do que imaginamos. Tudo começa com o sonho.
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E mais:
Astronautas da missão Mars One podem morrer de fome (R7)
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MIT: missão para colonizar Marte acabaria em 68 dias (Veja), com matéria similar na Exame
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Como levar humanos até Marte? (Astropolítica)

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