quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Resultados do Curiosity incluem primeira medição de idade em Marte e ajudam à exploração humana


(Astronomia On Line - Portugal) O rover Curiosity da NASA está fornecendo informações vitais sobre o ambiente passado e presente de Marte, que ajudarão nos planos para futuras missões robóticas e humanas.

Em pouco mais de um ano no Planeta Vermelho, o laboratório científico móvel determinou a idade de uma rocha marciana, descobriu evidências de que o planeta poderia ter sustentado vida microbiana, obteve as primeiras leituras de radiação na superfície e mostrou como a erosão natural poderia revelar os blocos de construção da vida. Os membros da equipa do Curiosity apresentaram estes e outros resultados em seis artigos publicados on-line ontem pela Science Express e na reunião de Outono da União Geofísica Americana em São Francisco, EUA.

A idade de "Cumberland"
A segunda rocha que o Curiosity perfurou para recolher uma amostra em Marte, que os cientistas apelidaram de "Cumberland", é a primeira a ser datada a partir da análise dos seus ingredientes minerais, enquanto ainda se encontra noutro planeta. Um relatório por Kenneth Farley do Instituto de Tecnologia da Califórnia em Pasadena, e co-autores, estima a idade de Cumberland entre 3,86 e 4,56 mil milhões de anos. Esta variação encontra-se dentro dos intervalos estimados anteriormente para as rochas na Cratera Gale, onde o Curiosity se encontra.

"A idade não é surpreendente, o que é surpreendente é que este método funcionou usando medições realizadas em Marte," afirma Farley. "Quando estamos confirmando uma nova metodologia, não queremos que o primeiro resultado seja algo inesperado. A nossa compreensão da idade da superfície marciana parece estar certa."

A análise de Cumberland, a partir de uma amostra recolhida pelo Curiosity, foi uma medição fundamental e sem precedentes, considerada improvável quando o rover aterrou em 2012. Farley e seus co-autores adaptaram um método radiométrico com 60 anos usado para determinar a idade de rochas da Terra que mede o decaimento de um isótopo de potássio, à medida que se transforma lentamente em árgon, um gás inerte. O árgon escapa quando a rocha é derretida. Este método de datação mede a quantidade de árgon acumulado quando a rocha endurece novamente.

Antes de conseguirem medir directamente as rochas em Marte, os cientistas estimavam as suas idades contando e comparando os números de crateras de impacto em várias áreas do planeta. As densidades de crateras estão relacionadas com as idades, com base em comparações das densidades de crateras na Lua, que por sua vez estão ligadas com datas absolutas após as missões Apollo terem trazido rochas lunares para a Terra.

Farley e co-autores também avaliaram quanto tempo Cumberland esteve ao alcance da superfície marciana, onde os raios cósmicos que atingem os átomos na rocha produzem acumulações gasosas que o Curiosity pode medir.

As análises de três gases diferentes forneceram idades de exposição na faixa dos 60 milhões a 100 milhões de anos. Isto sugere que as camadas de protecção acima da rocha foram retiradas há relativamente pouco tempo. Combinada com pistas de erosão por vento observadas pelo Curiosity, a descoberta da idade de exposição aponta para um padrão de areia que "mastiga" as relativamente espessas camadas de rocha. A camada de erosão forma uma face vertical que recua, ou escarpa.

"A taxa de exposição é surpreendentemente rápida," realça Farley. "O local onde encontramos as rochas com a idade de exposição mais jovem situa-se mesmo ao lado de escarpas formadas a favor da direcção do vento."

De rochas até blocos de construção?
A descoberta de rochas com a mais jovem idade de exposição é importante para as investigações da missão que tentam determinar se os químicos orgânicos de ambientes passados ficam preservados. Os químicos orgânicos são os blocos de construção da vida, embora também possam ser produzidos sem qualquer biologia.

"Estamos fazendo progressos no caminho para determinar se existem aí produtos orgânicos em Marte," acrescenta Doug Ming, do Centro Espacial Johnson da NASA, em Houston, acerca da amostra de rocha Cumberland. "Nós detectámos material orgânico mas não podemos descartar que podem ter sido trazidos da Terra". O Curiosity detectou quantidades mais elevadas em Cumberland do que em qualquer outro teste com amostras de solo marciano ou análises de copos de amostras vazios. O aumento de quantidade de pó rochoso no copo de teste aumentou a quantidade de conteúdo orgânico detectado.

Favorável à vida
Ming é o autor principal de um novo relatório sobre um local chamado "Yellowknife Bay". A equipa relatou há 10 meses atrás que a primeira rocha aí perfurada pelo Curiosity, com o nome "John Klein", produziu evidências que completam o objectivo da missão de identificar um ambiente marciano favorável à vida microbiana no passado. O habitat de Yellowknife Bay, um antigo lago rico em argilas, oferecia elementos químicos fundamentais para a vida, além de água não muito ácida ou salgada e uma fonte de energia. A fonte de energia é um tipo usado por muitos micróbios que se alimentam de rocha na Terra: minerais que continham uma mistura de enxofre e ferro, que são receptores de electrões, e outros que são dadores de electrões, como os dois pólos de uma pilha.

O Curiosity não só atingiu o seu objectivo principal de encontrar evidências de um ambiente passado que poderia ter suportado vida, mas também forneceu evidências de que as condições habitáveis existiram há menos tempo do que se esperava e, provavelmente, persistiram durante milhões de anos.

Novos resultados adicionais do Curiosity estão fornecendo as primeiras leituras dos perigos da radiação na superfície de Marte, que irão auxiliar o planeamento de missões humanas ao planeta. Outros achados vão guiar a busca por evidências de vida em Marte, melhorando a percepção de como a erosão pode expor pistas enterradas dos blocos de construção moleculares da vida.

As novas estimativas de quando as condições habitáveis existiram em Yellowknife Bay e durante quanto tempo aí persistiram surgem graças a detalhes da composição das rochas e das camadas. Pensa-se que Marte teve água fresca suficiente para criar minerais de argila - e possivelmente suportar vida - há mais de 4 mil milhões de anos atrás, mas que o planeta secou e a água líquida restante tornou-se ácida e salgada. Uma questão-chave era saber se os minerais argilosos em Yellowknife Bay se formaram anteriormente, a montante na borda da Cratera Gale onde os pedaços de rocha são originários, ou mais tarde a jusante, onde as partículas de rocha foram trazidas pela água e aí depositadas.

Scott McLennan da Universidade Stony Brook em Stony Brook, Nova Iorque, e co-autores, descobriram que os elementos químicos nas rochas indicam que as partículas foram transportadas desde a sua área de origem, a montante, até Yellowknife Bay e que a maioria da erosão química ocorreu depois de terem sido depositados. A perda mais fácil de elementos, como o cálcio e sódio, seria perceptível se o intemperismo que transforma alguns minerais vulcânicos em minerais argilosos tivesse ocorrendo a montante. Os cientistas não notaram tal perda.

David Vaniman do Instituto de Ciência Planetária em Tucson, no estado americano do Arizona, e co-autores, descobriram evidências de suporte numa análise separada de minerais em rochas sedimentares em Yellowknife Bay. Eles notaram uma falta de olivina e uma abundância de magnetita, o que sugere que as rochas se tornaram argilas depois de terem sido transportadas para jusante. A presença de esmectita diz-nos mais sobre as condições em que a argila se formou.

"A esmectita é o típico mineral argiloso em depósitos lacustres," acrescenta Vaniman. "É frequentemente chamado de argila que incha - o género que adere às nossas botas quando a pisamos. Encontramos ambientes biologicamente ricos quando encontramos esmectitas na Terra."

John Grotzinger do Caltech e co-autores examinaram características físicas de camadas de rochas em e perto de Yellowknife Bay e concluíram que o ambiente habitável existiu numa época "relativamente jovem para os padrões marcianos". O ambiente habitável fez parte do Período Hesperiano da história de Marte, quando áreas do planeta estavam já tornando-se mais secas e mais ácidas, há menos de 4 mil milhões de anos atrás e aproximadamente à mesma altura da evidência mais antiga de vida na Terra.

"Este ambiente habitável existiu mais tarde do que muitas pessoas pensavam," realça Grotzinger. "Isto tem implicações globais. É de uma época onde haviam deltas, leques aluviais e outros sinais de água à superfície em muitos locais de Marte, mas esses foram considerados demasiado jovens, ou de duração muito curta, para formar minerais de argila. O processo de pensamento foi: se tivessem minerais de argila, devem ter sido transportados por depósitos mais antigos. Agora, sabemos que os minerais argilosos podem ter sido produzidos mais tarde, e isso dá-nos muitos locais que podem também ter tido ambientes habitáveis."

A pesquisa sugere que as condições habitáveis na área de Yellowknife Bay podem ter persistido durante milhões até dezenas de milhões de anos. Durante esse tempo, rios e lagos provavelmente apareceram e desapareceram. Mesmo quando a superfície estava seca, a subsuperfície provavelmente estava molhada, como indicado em veios minerais depositados por água subterrânea em fracturas na rocha. A espessura das camadas rochosas observadas e inferidas fornece a base para a estimativa de longa duração, e a descoberta de uma fonte de energia mineral para os micróbios subterrâneos favorece a habitabilidade.

Implicações para os exploradores humanos
Os artigos de ontem incluem as primeiras medições do ambiente natural de radiação na superfície de Marte. De acordo com Don Hassler, do Instituto de Pesquisa do Sudoeste em Boulder, Colorado, EUA, e co-autores, os raios cósmicos oriundos de fora do nosso Sistema Solar e as partículas energéticas do Sol bombardearam a superfície na Cratera Gale a uma média de 0,67 milisieverts (mSv) por dia, entre Agosto de 2012 e Junho de 2013. Para efeitos de comparação, a exposição à radiação durante uma radiografia ao tórax é de aproximadamente 0,02 mSv. Este período de medição de 10 meses não inclui quaisquer grandes tempestades solares que afectaram Marte, e mais de 95% do total vem dos raios cósmicos.

Os resultados do acompanhamento da radiação à superfície fornecem uma peça adicional do quebra-cabeças da projecção da dose de radiação total para uma viagem humana de ida e volta a Marte. Somando também as doses medidas pelo Curiosity durante a viagem interplanetária até Marte (durante o mesmo período no ciclo solar), obtemos resultados totais projectados na ordem dos 1000 mSv.

Os estudos populacionais a longo-prazo mostram que a exposição à radiação aumenta o risco de cancro. A exposição a uma dose de 1000 milisieverts está associada com um aumento de 5% no risco de desenvolver cancro fatal. O limite actual da NASA para o aumento de risco nos seus astronautas, actualmente operando em órbita terrestre, é de 3%. A agência está trabalhando com o Instituto de Medicina da Academia Nacional para abordar a ética, princípios e directrizes para os padrões de saúde para missões espaciais de longa duração e exploração.

A radiação detectada pelo Curiosity é consistente com as previsões anteriores. Os novos dados vão ajudar os cientistas e engenheiros da NASA a criar melhores modelos para prever o ambiente de radiação que os exploradores humanos vão enfrentar, à medida que agência espacial desenvolve novas tecnologias para proteger os astronautas no espaço profundo.

"As nossas medições fornecem informações cruciais para as missões humanas a Marte," realça Hassler. "Estamos continuamente a monitorizar o ambiente de radiação e vendo os efeitos de grandes tempestades solares na superfície, em diferentes momentos do ciclo solar, e isso dar-nos-á importantes dados adicionais. As nossas medições também estão relacionadas com as investigações do Curiosity acerca da habitabilidade. As fontes de radiação que afectam a saúde humana também afectam a sobrevivência microbiana, bem como a preservação dos químicos orgânicos."

Se todos os produtos orgânicos que são sinais potenciais de vida existirem dentro de rochas até 5 centímetros de profundidade, a profundidade da broca do Curiosity, Hassler estima que estariam esgotados até 1000 vezes em aproximadamente 650 milhões de anos pela exposição à radiação medida pelo Curiosity nos primeiros 10 meses. No entanto, segundo estimativas de Farley, a rocha Cumberland que o Curiosity estudou com a sua broca em Yellowknife Bay, esteve exposta aos efeitos dos raios cósmicos entre 60 a 100 milhões de anos. Os cientistas calculam que, com uma idade de exposição tão jovem, ainda possa existir em Cumberland material orgânico suficiente para ser detectado. Mesmo se Marte nunca tenha suportado vida, o planeta recebe moléculas orgânicas trazidas por meteoritos, o que deve deixar um rastro detectável.
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Equipa do Curiosity verifica desgaste das rodas, actualiza software (Astronomia On Line - Portugal)

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