segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O coelhinho da Páscoa surpreende



(Cássio Leandro Dal Ri Barbosa - G1) Você deve se lembrar da controvérsia sobre a classificação de Plutão. Desde sua descoberta, ele foi considerado o nono planeta do Sistema Solar, mas o achado de outros objetos com tamanhos similares pôs essa classificação em xeque. São os chamados Objetos Transnetunianos (TNOs na sigla em inglês), aqueles que orbitam o Sol, mas com uma distância média maior que a distância entre o Sol e Netuno.

Já são conhecidos mais de 200 desses objetos, sendo Éris o maior deles, seguido por Plutão e Makemake. Dá para perceber que não seria possível considerar Plutão como planeta e, ao mesmo tempo, classificar Éris como um objeto menor do Sistema Solar. Se a União Astronômica Internacional (IAU, em inglês) fosse usar o mesmo critério para classificar Plutão como planeta, teria de acomodar Éris e mais uns 200 outros objetos.

Bom, o final desta história todo mundo conhece: em 2006, a IAU decidiu criar a categoria de planeta anão, rebaixando Plutão e promovendo Ceres, até então um asteroide. Com essa nova classe, Éris e centenas de outros TNOs puderam ser acomodados em uma categoria mais apropriada.

Plutão e Éris são dois objetos congelados, de tamanhos quase idênticos, densidades comparáveis e superfícies com composições químicas similares. Entretanto, Plutão possui atmosfera e Éris não, e o motivo para isso deve ser a distância até o Sol: Plutão está mais perto, o que explicaria também a diferença da capacidade de refletir a luz do Sol, chamada “albedo”.

Makemake foi descoberto em 31 de março de 2005 por Mike Brown e seus colaboradores. Seu nome remete à deusa da fertilidade da Ilha de Páscoa, território no Pacífico que pertence ao Chile. Numa analogia bem liberal, Makemake representa o mesmo que o “coelhinho da Páscoa” e foi escolhido justamente por remeter à data, que tinha acabado de acontecer. Além disso, batizar um objeto de coelhinho da Páscoa não ia colar com a IAU.

Makemake é também um mundo congelado, com um espectro muito parecido com o de Plutão e Éris. Sua distância é intermediária a esses dois planetas anões. Fora essas informações, muito pouco se sabia a respeito de Makemake, mas isso mudou muito, de uma tacada só.

Os resultados de uma pesquisa que envolveu um time grande de astrônomos, inclusive brasileiros. Esses pesquisadores utilizaram uma ocultação de Makemake para obter novos e intrigantes dados do objeto.

Em 23 de abril de 2011, Makemake passou na frente de uma estrela bem fraca e a ocultou. Ocultações são um método bastante eficiente para detectar atmosferas tênues e dar boas estimativas de tamanhos e albedos dos objetos. Esse tipo de acontecimento não é muito comum, mas o problema com eles é que são difíceis de prever com muita antecedência, já que os elementos das órbitas não são tão bem conhecidos ainda.

No caso de Makemake, uma ocultação dessas só pode ser prevista com alguns dias de antecedência e, tal como um eclipse, não é observada de toda a Terra. A ocultação se projeta sobre a superfície do nosso planeta em uma faixa, como uma sombra.

Foi assim que aconteceu no ano passado, usando um programa com as melhores estimativas da órbita de Makemake. Uma ocultação pôde ser prevista, e a faixa de onde ela seria visível se estenderia por sobre o Brasil, seguindo para o oeste e passando sobre o Chile. Assim que a ocultação foi confirmada, um alerta foi emitido e uma rede de 12 telescópios, a maioria no Chile, entrou em alerta.

A faixa de visibilidade dessa ocultação passava pelo Pico dos Dias, observatório brasileiro localizado em Brazópolis (MG) e, com um telefonema, ele passou a integrar a rede. Dos 12 telescópios, 7 conseguiram observar a ocultação. No Pico dos Dias, apenas o lendário telescópio Zeiss conseguiu dados para a campanha. Segundo uma lenda, esse telescópio fez parte de um pagamento de dívida da antiga Alemanha Oriental, que havia comprado café do Brasil e pagou com três telescópios parecidos.

Esse telescópio é um dos mais antigos em operação profissional no Brasil. Ele tem 60 cm de diâmetro e é inteiro manual, ou seja, para apontar para um alvo qualquer, nada de computadores. É preciso mover o telescópio empurrando-o até a posição calculada e, no momento certo, liga-se o movimento de acompanhamento para manter o alvo sempre no campo de visão da câmera.

Para registrar uma ocultação assim, uma sequência de imagens de curta duração precisa ser feita, para captar a passagem do objeto na frente da estrela. A estrela de fundo some por poucos segundos para retornar logo em seguida. Dependendo de como a luz da estrela “some” e depois “reaparece”, é possível observar a presença ou não de atmosfera. Se a estrela sumir subitamente, significa que não há atmosfera (pelo menos, atmosfera com alguma densidade), e a luz é barrada diretamente pela superfície, como foi com Éris. Já se a queda e o retorno da luz da estrela se derem de modo gradual, mesmo que rápido, significa que há atmosfera para promover uma absorção gradual da luz. Foi assim com Plutão.

Esperava-se para Makemake características semelhantes às de Plutão, uma vez que ele está mais próximo que Éris, onde, neste caso, a atmosfera teria se congelado e precipitado sob a forma de neve sobre a superfície. Isso poderia, também, explicar a diferença de albedos. Mas Makemake não mostrou isso: o brilho da estrela oculta caiu abruptamente no início e retornou também abruptamente, indicando uma atmosfera extremamente rarefeita, se é que existe.

Uma hipótese é de que a atmosfera tenha congelado e precipitado em pontos separados da superfície do planeta anão. Isso ajudaria a explicar o albedo de Makemake, que mais se assemelha a gelo sujo, ou seja, alguma coisa intermediária entre o brilho do gelo e de uma superfície rochosa mais escura. Ainda assim, é maior que o albedo de Plutão, mas menor do que o de Éris.

Outro resultado interessante, decorrente do fato de haver telescópios em diferentes latitudes e longitudes do planeta, foi a descoberta de que Makemake tem um formato mais achatado do que se imaginava. Em um eixo, ele mede 1.430 km e, no outro, 1.502 km em formato elipsoidal.

Mais ocultações são esperadas de Makemake e dos outros TNOs. Vale lembrar que, no caso de Plutão, o problema é mais grave. Com uma sequência de ocultações ocorridas nos últimos anos, ficou claro que a medida do seu semieixo maior estava errada por milhares de quilômetros. Não seria um caso grave se não houvesse uma nave a caminho que precisa saber com precisão onde encontrar seu alvo no espaço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário