quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Segredo marciano



(Teoria de Tudo - Folha) A NOTÍCIA DE CIÊNCIA que vai ganhar destaque em capas de revistas e jornais no início de dezembro virá de Marte. Nenhum jornalista sabe ainda exatamente o que é, mas a Nasa já começou a atiçar a imprensa, dizendo que uma descoberta a ser anunciada no congresso da União Geofísica Americana, na semana que vem, será de alto impacto. Algum palpite?

É claro que, quando se fala em Marte, a notícia que todos esperam ouvir é a constatação de que o planeta abriga vida. Talvez não seja a hora ainda, porém. Aquilo que a maioria dos cientistas espera ver é o anúncio de que moléculas orgânicas (baseadas em estrutura de carbono) existem em solo marciano. Isso não significa que o planeta esteja radiante de vida microbiana, mas, dependendo do composto orgânico encontrado, pode ser um sinal de que o planeta já teve as condições químicas para abrigar vida.

É algo incrível o suficiente para abalar a imprensa mundial? Bom, em entrevista à rádio americana NPR, John Grotzinger, cientista chefe da missão que conduz o jipe-robô Curiosity em Marte, prometeu que o anúncio a ser feito na semana que vem deverá “entrar nos livros de história”. Resta saber se os historiadores vão se entusiasmar também.

A descoberta só não foi revelada ainda porque os pesquisadores ainda estão conferindo os dados mais vezes para se certificarem de que não estão errados. E a Nasa tem bons motivos para não se precipitar.

Em 1996, David McKay, cientista do Centro Espacial Johnson da Nasa, relataram num estudo ter encontrado estruturas semelhantes a fósseis de micróbios numa rocha marciana encontrada na Antártida, o meteorito Allan Hills 84001. O pedaço de pedra, que veio parar na Terra após uma colisão de um asteroide com Marte, foi tema até mesmo de um anúncio público do presidente Bill Clinton, que chegou a nomear uma comissão para replanejar o programa espacial americano em vista da descoberta.

Alguns meses depois, porém, as evidências dos “fósseis” marcianos já estavam sendo contestadas por diversos estudos. Os autores ainda defendem a descoberta, mas a controvérsia sobre se a alegação foi exagerada ainda persiste. Em um dos estudos mais recentes sobre o meteorito, Andrew Steele, da Instituição Carnegie de Washington, mostra como as microestruturas achadas no meteorito podem surgir perfeitamente em processos minerais que não envolvem seres vivos. Se Allan Hills 84001 entrou para os livros de história em 1996, provavelmente a esta altura já saiu de muitos deles.

Por fim, Antes de Grotzinger revelar o que o Curiosity coletou agora, só resta especular. Seriam bases nitrogenadas (componentes do DNA), aminoácidos (componentes de proteínas) ou cadeias longas de átomos de carbono? Ninguém sabe ainda. Em uma das amostras analisadas pelo jipe-robô, cientistas já haviam visto sinais de metano, a mais simples molécula orgânica, mas voltaram atrás antes de anunciar a descoberta. Se o achado de agora for mesmo algum composto orgânico, qual a probabilidade de que tenha ligação com alguma forma de vida?

Qualquer que seja a resposta, me arrisco a dizer que desta vez os historiadores (e o presidente dos Estados Unidos) serão mais cautelosos na interpretação. Tentativas da Nasa de escrever a história por antecipação não deram certo, ainda.

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