(Astronomia On Line - Portugal) No dia 24 de Agosto de 2006, Plutão - que até à data era conhecido como o nono planeta do Sistema Solar desde a sua descoberta em 1930 - foi despromovido para a recém-criada categoria de "planeta anão". A decisão foi controversa, com alguns cientistas a discordar dos argumentos por trás da mesma. Também transtornou e confundiu muitos leigos, que achavam que os nove planetas eram objectos permanentes no céu - pedra fulcral para o seu conhecimento do Cosmos e do seu lugar nele.
Mas a reclassificação de Plutão mostra que o conhecimento acerca do que nos rodeia está sempre a mudar, que as verdades científicas não são herdadas dos céus. E esta lembrança pode ser o maior legado do debate acerca do estatuto de Plutão como planeta. "Este debate mostra às pessoas, especialmente aos miúdos, que a Ciência está em constante evolução, e isso é excitante," afirma Scott Sheppard, cientista planetário do Instituto Carnegie em Washington, que procura planetas anões nos confins do Sistema Solar. "E que nos devemos envolver com a Ciência, porque há muito mais para aprender."
Quanto Plutão foi descoberto em 1930, foi visto como um objecto excêntrico, e essa percepção permaneceu durante as seis décadas seguintes. Afinal de contas, Plutão é muito mais pequeno que os oito planetas "tradicionais", e a sua órbita altamente elíptica é consideravelmente fora do normal. Plutão também está muito mais longe, rodando em torno do Sol a uma distância média de 5,87 mil milhões de quilómetros. Mas na década de 90 os astrónomos começaram a aperceber-se que Plutão não é nada extravagante. Começaram a descobrir muitos outros grandes objectos no domínio de Plutão, o anel de corpos gelados para lá de Neptuno conhecido como Cintura de Kuiper.
As novas descobertas levaram alguns cientistas a reexaminar o seu conhecimento básico da estrutura do Sistema Solar, incluindo o modo como tinham classificado os seus grandes corpos. Como deveríamos chamar estes corpos longínquos e gelados? Se Plutão é um planeta, deveriam então ser também todos planetas? Este repensar sofreu um choque em 2005, quando o astrónomo Mike Brown anunciou a descoberta de Eris, um objecto na Cintura de Kuiper que parecia ser até maior que Plutão. E pouco tempo depois, a UAI (União Astronómica Internacional) entrava na discussão.
Em 2006, a UAI delineou a seguinte definição oficial para "planeta": Um corpo que orbita o Sol sem ser satélite de outro objecto, que é grande o suficiente para ter forma redonda devido à sua própria gravidade (mas não tão grande para começar a fusão nuclear, como uma estrela) e que "limpou a sua vizinhança" de grande parte dos outros corpos perto da sua órbita. Dado que Plutão partilha a Cintura de Kuiper com muitos outros objectos grandes, falhou ao preencher o terceiro critério e sendo assim foi despromovido. Ao invés, a UAI reclassificou Plutão e Eris como "planetas anões".
Os cientistas planetários no geral concordaram com a nova classificação, afirmando que Plutão, Eris e outros corpos da Cintura de Kuiper não pertencem à mesma categoria dos oito planetas "originais". Os longínquos objectos gelados, dizem, são demasiado diferentes - nos seus tamanhos, composições, órbitas e histórias evolucionárias. "O que importa é a sua classificação. A classificação é o primeiro passo para a compreensão," afirma Brown. "Se falhamos na classificação mais básica do todo do Sistema Solar ao não definir a diferença entre os oito grandes planetas e tudo o resto - se falhamos isso, falhamos todo o Sistema Solar."
Além do mais, o termo "planeta" é tão fundamental, tão central para quaisquer tentativas de ensinar o público acerca do Sistema Solar, que a sua definição apropriada é crucial, acrescenta Brown. "Se dissermos que existem oito planetas e depois montes de planetas anões, essa é uma boa descrição do que o Sistema Solar realmente é," afirma Brown. "Mas se disséssemos, 'Uau, temos aqui um sistema planetário e existem 20.000 planetas. Ah, e oito destes são significativamente maiores que os outros' - esta não é uma classificação nada útil."
Outros cientistas, no entanto, não estão nada satisfeitos com a definição de planeta pela UAI, apelidando-a de imperfeita e de nada científica. "Penso que a UAI devia estar embaraçada com esta sua definição," afirma Alan Stern do Instituto de Pesquisa do Sudoeste em Boulder, Colorado, EUA. Stern lidera a missão New Horizons da NASA, que está a enviar uma sonda para estudar Plutão de perto. "Criaram um problema para eles próprios e para a astronomia. [A definição] Criou um algoritmo impraticável para decidir o que é ou não um planeta.
Sterm discorda particularmente do critério da "limpeza da vizinhança". "Em nenhum outro ramo científico conheço algo tão absurdo," afirma Stern. "Um rio é um rio, independentemente de existirem outros rios na vizinhança. Na Ciência, chamamos às coisas o que são com base nos seus atributos, e não com base nos seus vizinhos." Mais, afirma Stern, o critério levanta padrões diferentes para os planetas a diferentes distâncias do Sol. Isto é porque quanto mais longe do Sol está um planeta, maior precisa de ser para limpar a sua zona. Se a Terra orbitasse o Sol na órbita de Plutão, por exemplo, segundo a UAI não seria classificado como planeta principal. "Eu diria que qualquer definição que produz um resultado onde a Terra não é um planeta sob qualquer circunstância é imediatamente rotulada como ridícula, porque todos podemos concordar num ponto - que a Terra é um planeta," afirma Stern.
Stern não tem problema com o termo "planeta anão". Ele apenas acha que os anões deviam também ser planetas "verdadeiros" como os terrestres e os gigantes gasosos. A exclusão dos anões da lista oficial não é mais do que uma gestão económica do número de planetas, acrescenta. "Este não é um modo muito científico de fazer as coisas, dado que temos inúmeras estrelas, galáxias, asteróides e muitos mais outros objectos," afirma Stern.
Enquanto cientistas como Brown e Stern discordam acerca da classificação de Plutão como planeta, concordam que as duas últimas décadas trouxeram um oceano de mudança à compreensão do Sistema Solar. Por exemplo, sabemos agora que os cantos mais longínquos do Sistema Solar estão repletos de objectos interessantes e grandes. O primeiro corpo da Cintura de Kuiper, além de Plutão, foi descoberto apenas em 1992, mas Brown especula que possam existir até cerca de 2000 planetas anões nestas zonas.
E muitos outros podem estar até mais longe. Actualmente, os astrónomos conhecem um provável e misterioso planeta anão, chamado Sedna, que habita na região para lá da Cintura de Kuiper. Mas esta zona distante - que é muito difícil de estudar com os instrumentos de hoje - pode albergar até 20.000 planetas anões, afirma Brown. Por isso Plutão é agora apenas um entre muitos outros corpos gelados, grandes e diversos que orbitam o Sol àquela distância incrível.
"Passámos da quase completa ignorância acerca deste género de corpos para uma incrível riqueza, e estamos a tentar compreender como funcionam estes pequenos mundos," afirma Brown. Stern expressou sentimentos semelhantes, salientando que as recentes descobertas mostram planetas - anões ou não, no nosso Sistema Solar e para lá - fantasticamente diversos.
"É o que descobrimos na ciência planetária, como resultado não só da Cintura de Kuiper mas também de descobertas de planetas extrasolares," afirma Stern. "Existem planetas com a densidade da madeira balsa, e planetas mais escuros que o carvão, e Júpiteres quentes e super-Terras. Suspeito que estamos apenas a arranhar a superfície da diversidade - tanto na Cintura de Kuiper como em torno das outras estrelas."
O debate acerca de Plutão é resultado desta vasto aumento no conhecimento, desta revolução no modo como vemos a nossa vizinhança cósmica. E serve como lembrança de que a Ciência não é um conjunto rígido de factos mas sim um processo, um modo de aprendermos o máximo possível sobre nós próprios e sobre o meio que nos rodeia. "Mostra que estamos constantemente a expandir o nosso conhecimento do Sistema Solar e do nosso lugar no Universo," afirma Sheppard. "A Ciência está em constante evolução, e estamos sempre a descobrir coisas novas."
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário