(C0orreio Braziliense) Do ponto de vista da química e da astrobiologia, vida pode ser entendida como uma condição provocada por uma sopa orgânica formada por carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre. Essa formulação teórica foi colocada à prova na última quinta-feira, quando a Nasa — a agência espacial dos Estados Unidos — anunciou a descoberta, em um lago da Califórnia, de uma bactéria que se alimenta de arsênio e é praticamente desprovida de fósforo, considerado crucial para haver vida. O achado causou um estrondo na ciência espacial e até mesmo na filosofia. E suscitou questões sobre a possibilidade da existência de uma forma de vida até então inconcebível pelo conhecimento humano.
Nos últimos anos, a Nasa e a Agência Espacial Europeia (ESA) fizeram uma série de progressos na exploração de planetas e satélites e detectaram a presença de substâncias comuns na Terra. As sondas Viking realizaram medições em Marte e ajudaram os cientistas a perceberem que a superfície do planeta vermelho tem interagido com a água desde tempos remotos. Em Enceladus, uma das 53 luas de Saturno, a sonda Cassini detectou um vasto oceano no subsolo. Em outra lua de Saturno, Titã, há hidrogênio, mas não acetileno — a melhor fonte de energia para uma vida baseada em metano. Os especialistas creem que micro-organismos possam estar consumindo a substância.
O cientista argentino Jorge Vago trabalha no ganancioso projeto ExoMars, que envolve a colocação de dois robôs sobre a superfície de Marte a partir de 2016. Os chamados rovers terão a finalidade de buscar uma possível bioassinatura da vida no planeta e fazer um mapeamento geológico no planeta. “Eu acredito que há uma chance muito alta de que vidas bacterianas estejam presentes em outros locais do universo”, afirma ao Correio, por e-mail. No entanto, isso necessariamente não implica dizer que a vida seja algo comum. “Sistemas vivos, mesmo os mais simples micróbios, são organismos complexos”, lembra.
De acordo com Vago, Marte é um potencial candidato para ter abrigado vida em algum momento no passado. O argentino sustenta que, durante o primeiro meio bilhão de sua história, as condições na superfície marciana eram provavelmente similares às da Terra, quase na mesma época do surgimento da vida em nosso planeta. “Se os micróbios puderam evoluir na Terra em seus primórdios, há a chance de que eles tenham feito o mesmo em Marte”, afirma.
Em tese, a vida pressupõe uma complexa química de polímeros baseada no carbono. Ao se combinar com a água e com um solvente, o átomo de carbono propicia transformações moleculares estáveis e flexíveis, capazes de ocorrer sob amplo espectro de temperaturas. Vago crê que, em superfícies planetárias mais frias, solventes como a amônia ocupem o lugar da água. Limitações similares podem se aplicar a planetas muito quentes. “Podemos dizer que a melhor esperança para se detectar a química da vida se baseia em carbono e água. Mas é possível que essa química orgânica seja expressada em planetas de modo sutilmente diferente da conhecida na Terra”, acrescenta.
Inteligência
O norte-americano Seth Shostak passou boa parte de seus 67 anos vasculhando o Universo, por meio de radiotelescópios nos Estados Unidos e na Holanda. Astrônomo sênior do Instituto Seti, uma organização sem fins lucrativos que busca pistas de vida inteligente fora da Terra, ele considerou surpreendente a descoberta de organismos unicelulares que podem usar o arsênio — um veneno letal — como parte de sua bioquímica. No entanto, admite que os micróbios são especialmente talentosos na adaptação a circunstâncias muito adversas (ou mortíferas) para os humanos. “Enquanto o número de planetas ou luas com condições bastante similares às do nosso planeta deve ser limitado, há certamente bilhões de mundos, somente em nossa Via Láctea, onde haja o hábitat propício para a vida microbiana”, afirma à reportagem, ao explicar que os micro-organismos têm uma plasticidade excepcional, o que os torna capazes de sobreviver mesmo em duas circunstâncias. “A vida pode ser extremamente comum no universo, e não um tipo de milagre confinado à Terra”, conclui.
Para Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, um dos mais renomados astrônomos do Brasil e fundador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), o escopo de condições para o aparecimento da vida no Universo foi ampliado com a recente descoberta da bactéria que substitui o fósforo pelo arsênio. “Apesar de alguns cientistas, biólogos e escritores de ficção científica terem sugerido a possibilidade de substituição desses elementos fundamentais por outros, não havia uma comprovação”, afirma, por e-mail. “O achado da Nasa torna mais complexa a procura de vida inteligente no cosmo, apesar de ela exigir uma evolução biológica mais complicada, como a que ocorre na Terra.”
Eu acho...
“Descobrir vida inteligente em qualquer lugar no Universo será difícil. Primeiro, porque a vida inteligente provavelmente não será muito comum. Segundo, porque há grandes distâncias entre as estrelas e existe uma dificuldade para se estabelecer comunicação. Por último, se eles já nos descobriram e se são realmente inteligentes, esses seres provavelmente perceberam que precisamos de tempo para resolver nossos temas de adolescência”
Jorge Vago, cientista do projeto ExoMars, da Agência Espacial Europeia
Em busca de outras Terras
{ Entrevista } CARL B. PILCHER
Desde setembro de 2006, o norte-americano Carl B. Pilcher dirige o Instituto de Astrobiologia da Nasa. Suas principais metas são estudar a origem, a evolução, a distribuição e o futuro da vida na Terra e no Universo. Antes de ocupar o posto, ele exerceu na agência espacial cargos de direção, como o de diretor do Programa Científico para Exploração do Sistema Solar e o de chefe de Estudos Avançados da Divisão de Exploração do Sistema Solar. Também foi ele quem descobriu água congelada nos anéis de Saturno, identificou três dos satélites de Júpiter e desvendou o clima de Netuno. Em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail, Pilcher não descartou a possibilidade de existirem seres extraterrestres inteligentes e disparou: “Parece-me altamente improvável que a Terra seja o único planeta com vida”.
Com base nas últimas descobertas da ciência espacial, o senhor acredita ser real a possibilidade de o Universo abrigar vida?
Parece-me altamente improvável que a Terra seja o único planeta com vida. Nesta galáxia (a Via Láctea), há cerca de 200 bilhões de estrelas, e uma fração enorme delas podem ter planetas. Os ingredientes básicos para a vida estão em todos os lugares (muitos dos compostos são feitos em densas nuvens moleculares interestelares). Planetas habitáveis são provavelmente comuns, e me parece bastante provável que a vida surgirá em qualquer lugar, assim como na Terra.
O senhor imagina que possa existir uma forma de vida totalmente diferente da conhecida por nossa ciência?
Definitivamente. Em qualquer lugar a vida não precisa ser como na Terra. É provável que ela use muitos dos mesmos elementos químicos que existem em qualquer lugar no Universo, mas pode usá-la de um modo muito diferente.
Quão distante estamos de detectar vida fora da Terra?
Isso depende tanto do Universo como de nossa habilidade em explorá-lo. Por exemplo: se há vida em Marte hoje, acho que a encontraríamos dentro de algumas décadas. Se não há vida lá, poderemos ter a certeza disso muito depois de descobrirmos outros seres vivos além da Terra.
Qual é a possibilidade de encontrarmos seres inteligentes? É uma utopia ou algo plausível?
A vida inteligente além da Terra é, definitivamente, uma possibilidade. Mas não há forma de se prever quando ou se a descobriremos. O desconhecido nesse caso envolve não apenas a biologia extraterrestre, mas também a sociologia extraterrestre. Até que ponto outra civilização inteligente escolheria se comunicar conosco ou seria capaz disso? Poderíamos detectar seus sinais? Isso torna a questão de como ou quando descobriremos vida extraterrestre inteligente impossível de responder. Mas uma coisa sabemos: se não procurarmos, não saberemos. (RC)
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